"Levantou uma das mãos, flexionou os dedos e ficou a se perguntar, como já fizera algumas vezes antes, de que modo aquela coisa, aquela máquina de segurar, aquela aranha de carne na extremidade de seu braço, podia ser algo seu, totalmente controlada por ela. Ou teria a mão uma vidinha própria? Dobrou o dedo e esticou-o. O mistério estava no instante antes de ele se mexer, quando sua intenção surtia efeito. Era como uma onda a se quebrar. Se ela conseguisse surpreender-se na crista da onda, pensou, talvez descobrisse o segredo de si própria, daquela parte dela que realmente mandava. Aproximou o indicador do rosto e olhou fixamente para ele, ordenando que se mexesse. O dedo permaneceu imóvel porque ela estava fingindo, ela não estava de todo falando sério, e porque mandar o dedo se mexer, ou estar prestes a mexê-lo, não era a mesma coisa que mexê-lo de verdade. E quando por fim ela dobrou o dedo, a ação parecia ter início no próprio dedo e não em alguma parte de sua mente. Quando era que ele resolvia se mexer, quando era que ela resolvia mexê-lo? Não havia como pegar a si própria em flagrante. Era ou isso, ou aquilo. Não havia uma dobra, uma costura, e no entanto ela sabia que por trás da textura lisa e contínua havia um eu verdadeiro — seria a alma? — que tomava a decisão de parar de fingir e dar a ordem final."
Livro 'Reparação' de Ian Mcewam
Imagem: we love it
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